PRECISAMOS FALAR DA CENSURA AO LIVRO O AVESSO DA PELE

Valéria Castilho
Publicado em 10 de Março de 2024 ás 16h 33min

Brasil democrático de 2024, diretores de escola, prefeitos e governadores, catedráticos, leitores de orelha de livros ou de fofoca de aplicativo de mensagens, ousaram censurar o livro o Avesso da Pele do escritor Jeferson Tenório. Até aí nenhuma novidade, porque estamos vivendo, novamente, em todo o mundo, uma onda de extrema-direita, com traços de fascismo.

                O que me incomoda é o silêncio dos escritores, dos intelectuais, das editoras! A pergunta que não cala é: vocês realmente acham que censurar uma obra literária é normal? É sensato? Quando foi que concedemos poderes para os entes federados, ou para a própria federação dizer o que nós e nossos filhos irão ler?

                O enredo do Avesso da Pele, conta a trajetória de vida de um jovem negro que teve o pai, um professor de literatura também negro, morto pela polícia em Porto Alegre–RS. O racismo e a violência policial são temas centrais da narrativa, além de outras questões como o sistema educacional e as relações entre pais e filhos.

                No entanto, todo essa temática é esquecida, e o foco da censura se volta única e, exclusivamente, contra um trecho do livro que narrada uma cena de sexo entre o jovem negro e sua namorada branca.

                Ora, ora, ora, mas o que está acontecendo?

                Sexo explícito entre brancas e pretos, pretos e brancas nunca foi nenhum problema na arte brasileira, desde que, narrado sob a perspectiva da cultura branca.

                No livro “A carne” do escritor naturalista Júlio Ribeiro, a personagem Lenita, fica excitada ao ver um escravizado, exposto nu para punição física, na mesma obra, as mulheres negras são descritas como “... negra boçal, como uma cabra, como um animal qualquer… era a suprema humilhação…[1]” Esse trecho nunca gerou pânico moral das carolas da moralidade dos últimos dias.

                No Livro Tieta do Agreste, de notável Jorge Amado, expoente do modernismo regionalista, a personagem Tieta vive um tórrido caso de amor, com um sobrinho seminarista católico, no entanto, a obra nunca sofreu censura, pseudo conservadores, ao revés os moralistas chegavam mais cedo em casa, para assistir os capítulos da novela, quando a obra foi adaptada para uma telenovela, no horário nobre da rede globo de televisão.

                Mas, o que difere o romance o Avesso da Pele, dos Romances de Júlio Ribeiro e Jorge Amado?

                Respondo:  - a perspectiva!

                O Avesso da Pele é um livro sob a perspectiva cultural negra, a violência, a crítica social e, principalmente, o sexo inter-racial é narrado sob a perspectiva de um homem preto. Ou seja, estamos diante do puro suco do preconceito racial brasileiro.  E, de políticos da extrema-direita, no cio da pré-campanha eleitoral, e da eleição que virá no segundo semestre do ano.

                Escritores brancos, ou enculturados brancos, falando das dificuldades vivida pela comunidade negra; relatando um relacionamento sexo-afetivo inter-racial, tem plena liberdade criativa, mas, se os mesmos temas são relatados pela própria comunidade negra, aí a questão se torna imoral.

                Portanto, diante da evidente carga preconceituosa e racista em torno do livro o Avesso da Pele, é necessário que todos, os envolvidos com a cultura, com a escrita, com o desenvolvimento sociocultural desse país, se posicione deixando bem claro, que todos nós sabemos o motivo da censura; e ela não tem nada a haver com eventuais palavras de baixo calão, ou de promiscuidade, mas, sim, com a mudança do local de fala, tanto do escritor como dos personagens na trama.

                Se você é escritor, produtor ou editor e não se posiciona, diante de uma censura claramente racista, você não é só um cidadão omisso, você é conivente, cúmplice.

 

 


[1] RIBEIRO. Júlio. A Carne. São Paulo. Ed. Lafonte. 2019. 

 

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