O que arde em segredo: literatura e a eternidade dos amores impossíveis.


Publicado em 16 de Setembro de 2025 ás 16h 56min

Alguns amores não se explicam, apenas acontecem. São presenças que surgem como relâmpagos na noite, iluminando tudo por um instante, mas deixando marcas que jamais se apagam. Vivem nas frestas da vida, no intervalo entre uma palavra e um silêncio, no gesto mínimo que revela o infinito. São amores delicados, porque cuidam para não ferir, e intensos, porque ardem mesmo quando não podem se realizar. A literatura sempre os acolheu: nela, o que não cabe no cotidiano encontra espaço, voz e eternidade. E é por isso que escrevo, porque sei que, na palavra, a chama desses amores permanece acesa.

 

Na tradição literária e filosófica, o amor impossível ocupa lugar de destaque como experiência-limite da condição humana. Esses afetos, interditados pelo tempo, pela sociedade ou pelas circunstâncias, não desaparecem: ao contrário, tornam-se mais intensos, porque sobrevivem no silêncio e se perpetuam na imaginação.

 

Roland Barthes (2003) lembra que o discurso amoroso se constrói por sinais fragmentados, olhares, gestos, palavras mínimas que, mesmo incompletas, contêm a totalidade da experiência. É nesse fragmento que o amor impossível encontra seu espaço: não na posse plena, mas na força dos detalhes que se tornam inesquecíveis.

 

Octavio Paz (1993) entende o amor como uma união paradoxal, feita de desejo e ternura, prazer e sofrimento. Para ele, a intensidade não está na realização plena, mas na tensão que mantém o afeto vivo mesmo diante da impossibilidade.

 

Do ponto de vista sociológico, Georg Simmel (1983) observa que o segredo confere às relações uma dignidade especial, criando uma fronteira invisível entre os de dentro e os de fora. Essa lógica explica por que os amores impossíveis resistem: guardados em silêncio, eles se tornam ainda mais preciosos.

 

Zygmunt Bauman (2004), ao falar sobre a fragilidade dos laços na modernidade, afirma que amar é abrir-se ao destino, aceitar o risco da vulnerabilidade. É nesse risco que os amores delicados se instalam, como um lembrete de que nem tudo pode ser controlado ou explicado.

 

Na literatura, a recorrência do tema confirma sua universalidade. Tristão e Isolda mostra como a interdição social não apaga o desejo, apenas o desloca para o terreno simbólico. Romeu e Julieta (1597), de Shakespeare, eternizou o arquétipo do amor proibido, mas aqui é necessário um cuidado: a tragédia no teatro é um recurso estético, não um modelo de vida. O que permanece não é o fim trágico, mas o símbolo da intensidade amorosa. Na vida real, amores assim podem, e devem  ser preservados pela memória, pela poesia e pela criação, não pela destruição.

 

Outros exemplos reforçam esse sentido: as cartas entre Heloísa e Abelardo no século XII, atravessadas pela tensão entre desejo e renúncia; ou ainda Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, cuja correspondência revela um amor simultaneamente vivo e impossível, registrado em palavras que sobrevivem ao tempo.

 

Esses exemplos mostram que o amor impossível não é exceção, mas parte da história da humanidade. Ele atravessa épocas e estilos, sempre como um espelho das contradições humanas: liberdade e limite, desejo e renúncia, eternidade e efemeridade.

 

Falar de amores impossíveis é falar da essência do humano. Somos feitos de limites, mas também de excessos; de interdições, mas também de desejos que insistem em atravessar fronteiras. Esses afetos, ainda que não possam se concretizar em plenitude, não deixam de existir: transformam-se em poesia, em memória, em permanência.

 

É justamente na literatura que eles encontram refúgio, porque o texto literário não julga nem condena. Ele acolhe, dá voz, preserva. Se a vida exige silêncios, a palavra os rompe. Se o cotidiano pede renúncia, o poema devolve ao amor sua dimensão infinita.

 

Assim, compreendo que os amores delicados e intensos não morrem. Habitam as páginas escritas, os versos guardados, as colunas literárias que ousam nomear o que o mundo não permite. Permanecem, para sempre, como brasas acesas sob a cinza do tempo: invisíveis à primeira vista, mas eternamente vivos no coração de quem ama.

 

  • BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1993.
  • SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
  • BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
  • SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. São Paulo: Martin Claret, 2001.

Comentários

Os amores impossiveis, são grandes inspirações para belos poemas

Eidi Martins | 16/09/2025 ás 18:08 Responder Comentários

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