A moça do vestido vermelho

Contos | 2025 - OUTUBRO - Sussurros da noite: contos e poemas de mistérios | Isolti Cossetin
Publicado em 16 de Junho de 2025 ás 20h 09min

A Moça do vestido vermelho

Na pequena cidade de São Feliciano, onde as neblinas da madrugada pareciam sussurrar segredos antigos e os sinos da igreja soavam com um eco fantasmagórico, circulava uma história que todos conheciam, mas poucos ousavam comentar: a lenda da moça do vestido vermelho.

Diziam que ela aparecia nas noites chuvosas, sempre próxima à antiga ponte de pedra, caminhando sozinha com passos suaves e olhar melancólico. Dona de uma beleza hipnotizante: pele alva como a lua, cabelos escuros como a noite e olhos que pareciam guardar um mar de tristezas. Estava sempre vestida com um longo e esplêndido vestido vermelho, que esvoaçava mesmo quando o vento não soprava.

Os mais antigos murmuravam que aquela moça, cujo nome era Isadora, havia morrido tragicamente há décadas em um acidente de carro a caminho do baile da cidade. Fora enterrada com o vestido de festa que seu noivo lhe dera de presente — e desde então, seu espírito não encontrava repouso.

Numa noite de outono, quando a chuva caía repentina e grossa sobre as ruas vazias, um jovem forasteiro chamado Miguel atravessava a cidade a caminho da pousada. Ele usava uma longa capa preta para se proteger da chuva fria e trazia consigo apenas uma mochila e o coração aberto às surpresas da vida. Ao se aproximar da ponte de pedra, avistou uma moça parada, encolhida sob a chuva.

— Você está bem, moça? — perguntou, aproximando-se com cuidado.

Ela ergueu os olhos e sorriu com doçura. Sua voz era baixa, quase sussurrada.

— Só estou esperando passar a chuva... Mas está muito frio...

Sem hesitar, Miguel tirou sua capa preta — presente do avô, que usava desde criança — e a envolveu nos ombros da moça.

— Fique com ela. Diga-me onde você mora? Posso levá-la até lá.

Ela pareceu hesitar, mas então, com uma expressão serena, respondeu:

— Não precisa me acompanhar. Eu moro aqui pertinho. Amanhã, se quiser sua capa de volta, pode ir pegá-la nesse endereço: rua das hortênsias, alameda 57. Estarei te esperando.

E antes que Miguel dissesse mais alguma coisa, ela se afastou em direção à neblina. Ele a observou desaparecer sob a chuva, sem entender exatamente o que sentia — algo entre encanto e inquietação.

Na manhã seguinte, guiado pela curiosidade e pela lembrança do sorriso daquela estranha moça, Miguel foi até o endereço indicado. Chegando lá, encontrou apenas um portão de ferro enferrujado e um velho letreiro desgastado pelo tempo:

                  “Cemitério Municipal de São Feliciano”

Confuso, percorreu os túmulos entre árvores retorcidas e flores murchas, até que algo o fez parar. Sobre uma lápide de mármore branco, repousava sua capa preta, cuidadosamente dobrada. No túmulo, junto à uma foto da moça havia seu  nome gravado:

Isadora Almeida — 1938–1957
"Que a eternidade lhe devolva o que o destino roubou."

Miguel ficou imóvel, sentindo o chão faltar sob seus pés. Tocou a capa com mãos trêmulas. Ainda estava úmida. No instante seguinte, uma brisa suave soprou entre as árvores, e ele jurou ouvir, como um eco distante, a voz da moça:

— Obrigada por me proteger do frio...

A partir daquele dia, a moça do vestido vermelho nunca mais foi vista nas noites de São Feliciano. Alguns dizem que ela finalmente encontrou paz. Outros juram que ela apenas mudou de caminho.

Miguel nunca contou a ninguém o que viveu naquela noite. Mas, toda vez que chovia, ele olhava para a ponte de pedra... e esperava.

 

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