A PORTA
Fecho meus olhos...
Volto devagar,
como quem pisa nas lembranças
com medo de acordá-las.
A casa é a mesma, o jardim também,
talvez menor, talvez mais silencioso,
como se o tempo também respirasse baixo.
Diante da porta,
sinto o coração bater em ritmo antigo.
Há risos do outro lado,
vozes conhecidas,
o cheiro do café recém-passado,
o pão quentinho sobre a mesa,
a vida inteira me esperando.
Quase ergo a mão para tocar a madeira —
mas detenho o gesto.
Porque abrir é romper o encanto,
é deixar que o sonho se dissolva em realidade.
Prefiro ficar aqui,
onde tudo ainda é possível,
onde ninguém partiu,
onde sou criança outra vez,
de pés descalços e olhos plenos de mundo.
Ali, na soleira do tempo,
descubro que a saudade também é um lar
e às vezes basta estar diante dela
para sentir-se, enfim, em casa.