A Pressa que Me Atropela
Crônicas | Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas. | Silvia Dos Santos AlvesPublicado em 02 de Julho de 2025 ás 21h 25min
A Pressa que Me Atropela
Acordo com o despertador gritando como se o mundo estivesse pegando fogo. Pulo da cama, tropeço no chinelo, escovo os dentes com a outra mão já procurando o celular. O dia nem começou e já estou atrasado — para quê, exatamente, eu ainda não sei.
A verdade é que vivo correndo. Corro para sair de casa, para chegar no trabalho, para responder mensagens, para terminar tarefas. Corro até quando estou parado, com a cabeça acelerada, pulando de pensamento em pensamento como se houvesse um cronômetro invisível me cronometrando a vida.
E o mais curioso é que, muitas vezes, não tenho realmente para onde ir com tanta urgência. Não há um incêndio, uma emergência, um prazo fatal. Mas a sensação de estar sempre devendo tempo a alguém — ou a mim mesmo — me empurra para frente como se eu estivesse atrasado para a própria existência.
A pressa virou hábito. E hábito, quando não questionado, vira identidade. A gente começa a se definir por produtividade, por eficiência, por quantas abas consegue manter abertas ao mesmo tempo — no navegador e na cabeça.
Outro dia, parei por um instante. Literalmente parei. Sentei num banco de praça, sem fone, sem tela, sem meta. E foi estranho. O tempo parecia mais lento, como se estivesse me testando. Mas, aos poucos, percebi que o mundo não desmoronava porque eu não estava correndo. O céu continuava azul, as pessoas passavam, os pássaros cantavam — e eu respirava.
Talvez a pressa não seja só sobre o tempo. Talvez seja sobre o medo de parar e perceber que não sabemos muito bem para onde estamos indo. Porque, no fundo, correr dá a ilusão de que estamos no controle. E parar exige coragem.
Desde então, tento desacelerar. Nem sempre consigo. Às vezes, a pressa ainda me atropela. Mas agora, pelo menos, eu olho para os lados antes de atravessar.
Livro: Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas.