A TERRA NAO ESQUECEU DE MIM

Poemas | Antologia Clube da Poesia e Declamação Gaúcha | CARLOS OMAR VILLELA GOMES
Publicado em 03 de Novembro de 2025 ás 10h 55min

E A TERRA NÃO ESQUECEU

CARLOS OMAR VILLELA GOMES

 

Sob meus pés, o silêncio...

Sob meus pés o destino

De gerações extraviadas

Pelas volteadas do tempo.

Sob meus pés a verdade...

Toda a verdade de um povo,

Que procurou sobre a terra

Seus sonhos de liberdade.

 

A terra chora baixinho

Dores bem mais que profundas;

A terra guardou lembranças,

Que jamais pôde apagar.

Sob meus pés desatinos

De campos largos e rubros...

Sob meus pés as histórias,

Que o homem tenta negar.

 

E a terra não esqueceu

A dor de um tempo sem Deus.

 

A terra tem cicatrizes...

Mapas de uma geografia,

Que certamente não foi

Traçada por mão de Deus.

Foi traçada pelas armas

Bem empunhadas por feras,

Que pelo correr das eras

Ditaram rumos e leis.

 

E desenharam fronteiras

Num pampa sem alambrados;

E dominaram a terra

Com estâncias e povoados.

Catequizaram o índio

E suas xucras razões...

Com sete cruzes ergueram

Sete povos das missões.

 

Depois golpearam sem dó,

Reduzindo a sangue e pó

O sonho das reduções.

 

A terra lembra piquetes

De imponentes coronéis,

Inventando itinerários

Em seus garbosos corcéis.

Tantos galões, tantas glórias...

Tantas paixões e vitórias,

Que escreveram a história

Nos mais vistosos papéis.

 

Pena que a pena que escreve a história

Seja regida pelas mãos sem pena

Dos que comandam os canhões e réis.

 

E a terra não esqueceu

A dor de um tempo sem Deus.

 

E são patas de cavalos,

E são palas retalhados;

A sina vira ferida

E o puro vira pecado;

A terra bebe do sangue

Mesmo repugnando o gosto...

As feras matam a sede

E a vida perde seu posto.

 

Já não palpita de pureza a terra santa

De tanto o homem macular seu relicário;

São tantas almas extraviadas no inventário

De tantas guerras e barbáries pelo pampa.

 

Quando a razão já não floresce da garganta

E então desperta o furor do coração,

É rio de lava, que incandesce pelas veias

E faz da morte sua maior erupção!

 

A terra engasga, soluça

Cada golpe, cada corte;

É uma semente sem vida,

Que se planta num ritual.

Ideias, brasões, motivos,

Todos têm, todos sustentam...

Um a um, todos inventam

Mil razões pra o próprio mal.

 

A terra chora de dor...

De todo o sangue jorrado

Na história do nosso Estado

A terra sabe o sabor.

 

Os talhos recebidos pela terra

Remendam, mais jamais se apagarão;

Em cada cicatriz há uma lembrança

Do homem massacrando seus irmãos.

 

E a terra não esqueceu

A dor de um tempo sem Deus.

 

Sob meus pés, desalentos

E as formas de uma inscrição,

Que conta a história do chão

No triste idioma dos ventos.

 

Mas o que surge das cinzas

Quando as tristezas se vão

E aviva a alma de um povo,

Que ainda sonha demais?

 

O que ressurge luzindo

Do fundo da escuridão,

Trazendo lições de vida

De seus turvos memoriais?

 

É a própria terra senhores!

É a terra que se refaz...

Clamando em suas cicatrizes,

Que a história não se eternize

A sete palmos da paz!

 

 

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