Ainda Ouço as Sirenes

Às vezes eu ainda me pego olhando para a janela, lembrando do silêncio que tomou conta da cidade. Não era um silêncio bonito, desses de madrugada tranquila... Era um vazio pesado, como se o tempo tivesse parado e deixado a gente suspenso no medo.

Logo no começo, ninguém sabia direito o que estava acontecendo. As notícias se atropelavam. Eu me agarrava ao celular buscando qualquer atualização, qualquer esperança. Mas tudo era confuso. Pessoas começavam a adoecer — muitas com falta de ar, desesperadas. Lembro de um vizinho, o seu Luiz, que teve que esperar sentado na calçada por uma ambulância. Ele não voltou.

A cada dia, o número de mortes aumentava, e junto com ele crescia o nosso desespero. Alguns familiares meus também se foram. Sem despedida, sem abraço. Apenas uma ligação fria dizendo “não resistiu”.

Pior era ver as brincadeiras, os comentários sarcásticos. Gente minimizando o sofrimento. Governantes rindo, desviando, ignorando. E a vacina... ah, a vacina. Ela poderia ter salvado tanta gente, se não fosse por essa negligência. Chegou, mas tarde demais para muita gente.

Vivemos entre sirenes e notícias ruins. O medo morava conosco. Aprendemos a limpar tudo, a nos afastar dos abraços, a viver escondidos atrás de máscaras. E quando a vida começou a voltar — quando as ruas começaram a ter passos novamente — nada parecia como antes. Eu não sou como antes.

Hoje, vejo o mundo tentando seguir em frente, mas carregando um peso. Cada pessoa que se foi deixou uma ausência que não desaparece. Cada história que terminou cedo demais me habita. Mas ao mesmo tempo, há em mim uma vontade de cuidar mais, de escutar mais, de amar com mais presença.

A pandemia foi como uma ferida aberta na nossa história. Ela cicatriza devagar. Mas eu escrevo isso como quem planta memória. Porque esquecer não é opção. E quem viveu sabe: a vida nunca mais será igual.