CABRIÚVA
Poemas | Antologia Clube da Poesia e Declamação Gaúcha | CARLOS OMAR VILLELA GOMESPublicado em 03 de Novembro de 2025 ás 16h 14min
CABRIÚVA
CARLOS OMAR VILLELA GOMES
O vento vil não me verga
Nem quebra a fibra da estampa
Que o lombo forte do pampa
Um dia viu florescer;
Não me derrubam tormentas
Em seus laçaços de chuva...
Sou cerne, sou cabriúva
Com cismas de amanhecer.
O vento vil não soluça
As coisas que eu solucei...
Desde o começo firmei
Raízes no mesmo chão;
Por vezes sou solidão,
Por outras, asas e ninhos,
Brotando dos passarinhos
Que moram no meu violão!
Lonjuras, ah, lonjuras que me miram
No fundo desta biboca que insisto em chamar querência!
Parecem dizer da minha sede,
Parecem zombar da minha fome...
Ah, lonjuras que me miram
Com a mesma fúria dos homens!
Tem homem que é corunilha,
Forte, guapo e espinhento...
Por desconfiado não mostra
A luz do seu fundamento.
É valente, resistente,
Mas sofre por ser sozinho...
Pois afastou sua gente
Com seus puaços e espinhos!
Tem índio que é uma figueira...
Tem sempre os braços abertos
Pra acolher em sua sombra
Quem vaga em rumos desertos!
Firma as raízes no chão
Buscando o fundo mais fundo...
E quanto mais se enraíza
Mais abre os olhos pra o mundo!
Tem uns que são cambará...
São meio tortos de tronco
Mas apegados na terra!
Uns outros são tarumã...
Copa frondosa na paz...
Fruto e sustento na guerra!
Uns outros são cinamomo...
Oferecem boa sombra,
E os frutos, que alguns desprezam,
Pra quem sabe, tem valia;
Mais alguns são aroeira,
Pois passam a vida inteira,
Em sua sina traiçoeira,
Sem saber se é noite ou dia.
Tem uns que se vão ao mundo...
Se perdem pelo caminho
E voltam de alma cansada,
Mais seca que nó de pinho!
São espinilhos, angicos...
Tem homem de todo jeito!
Pois todo homem é a soma
De virtudes e defeitos;
Almas claras, almas turvas...
Eu mesmo sou cabriúva
Pelo que trago no peito!
Sou cabriúva senhores!
Casca bruta e ramos toscos
Pra enfrentar as mazelas
Que massacram o meu povo!
Mas quando amainam queixumes,
No cerne tenho perfumes
Pra o mais bonito dos sonhos!
Sou cabriúva plantada
No ventre dessa inconstância,
D’onde assisto à distância
O cruzar de tantas luas;
Se a vida ofende, me entono,
Retovado em casca bruta...
Mas quando termina a luta
Perfumo a noite xirua.
Por isso sou cabriúva,
Casca grossa, alma em perfume...
Criando meu próprio lume
Entre os clarões da existência;
Sorvendo a vida na essência
Que a própria vida provoca...
No fundo desta biboca
Que insisto em chamar querência!