Gente que Desaprendeu a Ser Gente

Outro dia, vi um homem cair na calçada. Não tropeçou no próprio pé, tropeçou no mundo. Caiu com força, com dignidade espalhada no chão. E o que mais me assustou não foi a queda — foi o silêncio ao redor.

Ninguém correu. Ninguém estendeu a mão. Alguns desviaram o olhar, como se a dor alheia fosse um vírus. Outros apertaram o passo, como se a pressa justificasse a ausência de compaixão. E eu, parado, me senti envergonhado por todos nós.

Vivemos num tempo em que a empatia virou artigo de luxo. Onde se compartilha tragédia com emoji de tristeza, mas se atravessa a rua para não encarar um pedido de ajuda. Onde se grita por justiça nas redes, mas se ignora o vizinho que chora atrás da parede fina.

A humanidade parece cansada de ser humana. Como se sentir fosse um peso. Como se cuidar fosse perda de tempo. Como se amar — mesmo que só um pouco — fosse fraqueza.

E o mais triste é que a gente se acostuma. Com a indiferença, com a frieza, com o “não é problema meu”. A gente aprende a andar com os olhos baixos, com os fones no ouvido, com o coração em modo avião.

Mas às vezes, só às vezes, algo escapa. Uma criança que oferece o último pedaço do lanche. Um estranho que segura a porta. Um abraço que vem sem motivo. E nesses momentos, a gente lembra: ainda dá tempo.

Ainda dá tempo de reaprender a ser gente.

Livro: Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas.

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