A trilha parecia conhecida mesmo sem mapas

As árvores se curvavam com um peso que não era vento

E o som dos meus passos não obedecia ao chão

O céu escurecia sem nuvem apenas por decisão

O brejo ao lado silenciava os grilos como se escutassem

E cada sombra sobre a água se movia antes de eu chegar

As folhas repetiam frases que ninguém havia dito

Como se o mato inteiro lesse pensamentos não confessos

Havia um portal invisível entre o cerrado e a escuridão

Onde cada galho parecia apontar para dentro de mim

Segui sem lanterna, pois a escuridão parecia me conhecer

E não havia medo apenas um espanto antigo

De encontrar fora o que nunca quis ver dentro

As pedras desenhavam rostos que surgiam e sumiam

E todo vulto que passava atrás vinha de onde eu olhava

O tempo não seguia ali apenas rodeava

O cheiro do mato era forte demais para ser só natureza

E mesmo o canto do corvo soava como frase interrompida

Senti que alguém me observava, mas os olhos eram meus

Refletidos na lagoa rala que distorcia tudo com precisão

Vi algo se mover entre os troncos talvez um gesto meu esquecido

Ou só a memória assumindo forma de mato

O frio não vinha do ar, e sim de algo que lembrava arrependimento

Percebi que não me perdi apenas, fui onde já estive

Paisagem murmurada sem som, revelando o que nunca fora dito

Cada passo adiante era como caminhar sobre fotografias queimadas

Aquilo que eu mais temia não me esperava

Caminhava ao meu lado como sombra adestrada

O mundo ali fora era apenas cenário do que não coube dentro

E, eu mesmo deixando rastros que nunca pretendi seguir.