Jardim de felicidade

Contos | 2025 - SETEMBRO - Primavera de versos: Florescer de Emoções | Manoel R. Leite
Publicado em 13 de Julho de 2025 ás 17h 09min

Meses se passara desde que Gabriel instalara na casa do tio Roberto, ajudando na reabilitação do idoso após um AVC leve. Os dias, inicialmente tensos e cercados por tarefas médicas e ajustes domésticos, tornaram-se gradualmente mais brandos. As mudas que trouxera preencheram gradualmente o quintal espaçoso, uma pequena horta tomou forma junto à cerca de madeira desbotada.

O que Gabriel não esperava era a sensação de reencontro com ele mesmo naquele lugar. As tardes sob o sol manso do interior, o som distante de galinhas ciscando, e a voz serena da mãe preparando o café da tarde trouxeram-lhe memórias de uma infância quase esquecida. Era como se parte do menino que um dia fora retornasse para inspirar o homem que se tornava.

Isabela também se adaptava com surpreendente leveza. Entre uma tarefa escolar e outra, aprendeu a fazer chás com a avó e colheu tomates ao lado do pai. Começou, inclusive, a registrar em um caderno os nomes das plantas, suas propriedades e como estavam se desenvolvendo. Foi dela a ideia de organizar um pequeno caderno de receitas que unisse os saberes da avó às colheitas do novo jardim.

Porém nem todos os dias se banhavam de tranquilidade. Algumas noites, Gabriel se via vencido pelo cansaço e pelas incertezas. A empresa onde trabalhava exigia relatórios constantes, e a pressão para retornar à cidade aumentava. Cláudio, o colega que notara sua mudança meses antes, passou a enviar mensagens preocupadas:

— Gabriel, você não pode adiar muito mais essa decisão. O RH já está cobrando um parecer. Precisa dedicar mais tempo em sua função!

Lia e relia as mensagens, hesitando em respondê-las. Pela primeira vez em anos, ele sentia que seu valor não era medido por produtividade ou metas. Estava aprendendo a cultivar outra forma de presença.

Numa dessas madrugadas decidiu caminhar até o pequeno viveiro que improvisara. A lua alta banhava de prata os talos das ervas aromáticas. Ali, ajoelhado diante dos canteiros, ouviu os passos lentos do tio Roberto. O homem, ainda frágil, se apoiava em uma bengala improvisada.

— Eu também gostava de plantar, sabe? — disse, sentando-se em um banco de madeira. — Mas deixei de lado quando comecei a trabalhar demais. Depois que minha esposa morreu, nunca mais plantei nada.

Gabriel ouviu em silêncio, reconhecendo naquele relato um espelho.

— Talvez seja hora de plantar de novo, tio.

Naquela mesma semana, juntos, eles replantaram uma roseira antiga que jazia seca nos fundos da casa. Roberto sorria como quem reencontrava um velho amigo.

Apesar dos bons momentos, um novo desafio surgiria: a mãe de Gabriel foi diagnosticada com diabetes tipo 2, exigindo mudanças drásticas na alimentação e mais visitas ao hospital da cidade. As viagens constantes a trabalho desgastaram a rotina, ele começou a duvidar de sua decisão. Parecia que, por mais que cuidasse de tudo, sempre surgia algo fora do seu controle.

Num domingo chuvoso, sentiu-se sobrecarregado. A chuva tamborilava no telhado como se insistisse em derrubar sua aparente serenidade. Sentou-se na varanda e chorou. Isabela se aproximou em silêncio, sentando ao lado dele.

— Pai, lembra o que você me disse sobre cuidar do coração como a gente cuida da terra?

Ele  a encarou, emocionado.

— Então, talvez agora você precise de uma poda. Cuidar da gente também é parte do jardinar, né?

Sorriu entre lágrimas. A filha aprendia rápido.

A partir daquele dia, Gabriel estabeleceu límites. Passou a delegar parte dos cuidados ao primo Vinícius, que viera visitar o tio e resolveu ficar por um tempo. Com o apoio da família, dividiu tarefas e retomou seu curso de horticultura, agora à distância.

O tempo deixa as pessoas mais experientes . Afinal,  florescer não é um ato único, mas um ciclo: plantar, regar, cuidar, podar, descansar e, por fim, renascer. E repetir esse ciclo, quantas vezes fossem necessárias.

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