O Roubo do Santo Antônio

Poemas | Antologia Nacional Família Literária: Versos que Iluminam Caminhos | JOSETI GOMES
Publicado em 02 de Novembro de 2025 ás 22h 45min

O ROUBO DO SANTO ANTÔNIO

Joseti Gomes

 

Foi mentira dessa gente faladeira!

Nunca que o João da Nira

iria fazer desfeita, fosse por troça

ou birra, fosse por conta de aposta.

O João não era piá leviano ou bagaceira.

 

Roubaram o Santo Antônio!

No altar ficou as marcas

dos pés do homem sagrado.

Ficou promessa de moça

em papelzinho enrolado,

perfume com mel de abelha

e os nomes de Pedro, Luís,

Francisco, João e Renato.

 

Sebo de vela queimada,

flor afogada num vaso…

Um par de alianças baratas

e um vidrinho de extrato.

Um saquinho bem atado

com fitinhas coloridas

e as promessas esculpidas

nas paredes descascadas.

 

Botaram a culpa no João

porque o coitado do moço

caiu doente de amores

pela mais moça da Ana.

Guria meio sem juízo

que brincava cabra-cega

com os peões de serviço.

 

“Não é pra casar, a guria!

Não perde teu tempo, João!”

A Nira se repetia matraqueando,

coitada, pra convencer o rapaz.

Mas quando a cabeça entorta

não há santo que dê jeito!

E tava perdido o guri!

 

João desenhava na terra

os sonhos, em cada palmo,

onde jogava as sementes

que brotavam aprumadas

num verde de tinta e rima.

Vinham com braços pra cima,

louvando a vida pra Deus…

 

João era só brisa e verso.

João era puro de alma!

João não roubava santos

dos altares das igrejas!

Blasfêmia dos linguarudos!

João plantava esperanças

nos confins, nos fins de mundo.

 

Veio o padre, veio o bispo.

Veio o chefete da vila.

“Entregue a imagem, João!”

Quase gritando pediam.

Pediam não, ordenavam!

E João, de mãos vazias,

sem culpa, apenas sorria

na inocência dos santos.

 

João era só poesia…

Mas teve praga rogada

do padre, envergonhado.

Excomungou o desalmado

que desnudou o altar.

Saiu batendo botinas,

do rancho pobre da Nira.

Pretas de raiva as batinas,

alçaram voo dali.

 

Deus, por certo, entendia

da dor de amor do culpado

e preferiu silenciar…

Santo novo no altar

com correntinha no pé.

Que heresia com a fé,

mas esse, ninguém roubava.

 

João apagou a vela

no silêncio do escuro…

Já tinha feito o pedido…

De cabeça para baixo,

no fundo falso do armário,

a silhueta da imagem

permaneceu de castigo.

Comentários

Olá! Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.