Os filhos do silêncio: sobre os bebês Reborn

Prosa Poética | Carlos Roberto Ribeiro
Publicado em 17 de Maio de 2025 ás 11h 08min

Foi ao ver muitas postagens nas redes sociais que comecei a refletir sobre o fenômeno Reborn.

 

No ventre de vinil não há batidas,
não há choro, nem cólica, nem leite derramado.
A pele é fria como a ausência —
e, ainda assim, vestem-lhe o calor dos laços.

 

Chamam-lhe “Reborn” — renascido —
mas quem, de fato, renasce quando os olhos vidrados
sugerem uma alma jamais habitada?
Quem revive?
A mãe enlutada? A infância que não houve?
O útero que nunca fecundou?

 

Esses bebês não crescem.
Não balbuciam.
Não erram.
São dóceis como os mortos
e perfeitos como o que nunca existiu.
São a simulação da esperança,
um útero em loop infinito,
onde a dor se disfarça de cuidado
e o luto se fantasia de colo.

 

No mundo dos Reborn,
o humano é peça de coleção,
o amor vira transação,
e a maternidade se plastifica.
Ali, o afeto é embalado a vácuo,
os afetos enlatados em vitrines,
com etiquetas de preço que medem
o quanto vale fingir que se tem um filho.

 

Há nobreza em consolar a ausência,
há poesia no rito do afeto simbólico.
Mas há também um grito surdo
quando o boneco substitui a carne,
quando o apego se torna refúgio
num simulacro de relação.

 

E é aí que a crítica morde:
não à mulher que afaga,
mas ao sistema que nega,
à cultura que mercantiliza o afeto,
à sociedade que abandona as mães reais
e oferece réplicas em seu lugar.

 

Quantas mães sem filhos?
Quantas filhas sem infância?
Quantos vazios estamos fingindo preencher?

 

Porque um Reborn não ama,
não ri,
não adoece,
não exige.
É o filho ideal
de uma sociedade exausta
que prefere o silêncio da boneca
ao clamor da criança viva.

 

E nesse silêncio perfeito,
os Reborns dormem eternamente
nos berços do não-dito,
enquanto a vida —
essa sim, crua,
demandante,
real —
fica do lado de fora,
batendo à porta
que poucos querem abrir.

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